Chapeuzinho Vermelho à luz da psicanálise

 Fátima Pereira

Professora 
de Português
e Oficinas de Leitura

1. Introdução        

            Em
diversas culturas, em todos os continentes, existem histórias com estruturas e
narrativas semelhantes aos contos que conhecemos hoje, e que são de origem
européia. Esses contos já existiam na cultura oral. Os contos de fadas, na
versão literária, trabalham com questões universais, como os conflitos do poder
e a formação dos valores, misturando realidade e fantasia, no clima do “Era
uma vez…”.
Esses contos têm origem nas camadas profundas do
inconsciente, comuns à psique de todos os humanos e seus temas aparecem de
maneira tão evidente e pura nos contos de países os mais distantes, em épocas
as mais diferentes, com um mínimo de variações.

            O
enredo básico expressa os obstáculos e problemas, que precisam ser vencidos ou
resolvidos como parte da iniciação e para que o herói alcance sua
auto-realização existencial, seja pelo encontro de seu verdadeiro
“eu”. Representa os dramas da psique, comum a todos os homens: o
medo, a angústia, o amor, os medos, as dificuldades do ser humano em crescer e
amadurecer, as carências (materiais e afetivas), as autodescobertas, as perdas,
as buscas, a solidão, o confronto e superação de obstáculos ou perigos passando
pelo processo de descobrir o novo.

            Não
só crianças, mas também os adultos sempre gostaram ouvir de estórias
maravilhosas ou contos de fadas, tão fascinantes porque simbolizam o
processo desse desenvolvimento. Como esses contos pertencem ao mundo arquétipo
e espelham a estrutura mais simples da psique, são objetos de interesse de pesquisadores
e estudiosos da psicologia analítica.

            Segundo
psicanálise, nossa psique se constitui de três estruturas dinâmicas, o Id
(princípio do prazer), o Ego (princípio da realidade) e o Superego (princípio
moral). Nascemos dotados apenas da estrutura do Id, sendo que as outras
duas estruturas terão de ser construídas na relação do sujeito com o mundo que
o cerca.
            O
Id é a fonte de nossa energia original (libido), que nos sustenta e motiva a
mover-nos em direção ao mundo, buscando satisfazer pulsões. O Id não se
preocupa que esses desejos se realizem de forma concreta, mas se satisfaz com
realizações alucinatórias, através de imagens que condensam muitos desejos num
só objeto criado pela imaginação. Também não se preocupa com tempo e espaço.
Para o Id, tudo o que acontece é aqui e agora.

            Os
contos de fadas começam com a fórmula do “Era uma vez…” que os torna tão
atemporais quanto o Id, num lugar que é apenas esboçado, fora dos limites do
tempo e do espaço. O reino do qual o conto fala pode ser qualquer um, em
qualquer lugar, bem como ser aqui e agora, despertando assim a identificação
imediata da criança com o conto.  
Os personagens de contos de fadas não têm nome próprio, mas sim nomes
que são ligados às suas características físicas e emocionais. Isso faz com que o
identificar-se com o personagem torne-se mais fácil. Não tendo nome, ele não
tem uma identidade própria, e assim pode emprestar sua personalidade ao ouvinte
enquanto ele acompanha a narrativa. Outro dado interessante é que os personagens
de contos de fadas não têm idade cronológica definida e ainda, ou o personagem
é o herói “completamente bom” ou o vilão “completamente mau” e que suas muitas peças acabam por
fundir-se, compondo os grandes mitos que expressam toda uma produção cultural
mais elaborada.

            Seus personagens típicos são representações concebidas pela
humanidade, para simbolizar os seus sentimentos mais profundos, numa forma de
representação não-verbal que também é utilizada pelo Id, muito semelhante à
forma como as crianças pensam sobre suas próprias emoções.  A linguagem
simbólica, não-verbal desses contos, comunica-se diretamente com o imaginário
da criança. Isso porque a narrativa dos contos reproduz a história de vida de
qualquer criança. Ela nasce protegida pela família (equivalente à casa paterna
dos contos), e vive nesse meio até alcançar a maturidade. Quando atinge esta
fase, é obrigada a deixar a segurança do lar para alcançar outros mundos:
começa a freqüentar a escola, a fazer amigos fora de casa e a ter de resolver
seus conflitos com eles. É esse processo que fará dela um adulto autônomo e
independente.
        

2.
Chapeuzinho Vermelho

            Charles
Perrault
foi o
primeiro a coletar e organizar contos de fadas em um livro. Perrault ouvia as
histórias de contadores populares, e então as adaptava para a corte francesa,
acrescentando detalhes ou como diminuindo os trechos de acordo com o gosto ou
necessidade da época e ao final da narrativa escrevia a “moral da história”,
traduzindo sua preocupação pedagógica, segundo a qual as histórias deveriam
servir para instruir moralmente as crianças. A primeira versão de Chapeuzinho
Vermelho escrita por Perrault trazia o título de Capinha Vermelha, mas a
versão mais popular deste conto é a dos Irmãos Grimm, intitulado Chapeuzinho
Vermelho
, que se transformou no o conto de fadas mais divulgado dentre
todos.    

            Como
em outras versões, Perrault começa a história contando que a avó fizera uma
capinha vermelha para a menina. A mãe de Capinha Vermelha pede que a menina
leve doces à avó. No caminho, que passava por uma floresta, encontra um lobo
que numa breve conversa descobre aonde é a casa da avó de Capinha e corre para
lá, fazendo-se passar pela menina. Nessa versão, o lobo depois de comer a avó, não
se disfarça de avó, apenas se deita na cama e quando Capinha chega, a convida
para se deitar a seu lado. Nessa versão, após menina tirar a roupa e se deitar,
ela se espanta ao ver a aparência da avó, Capinha exclama: Vovó, que braço
enorme! O lobo responde. Segue outra exclamação de Capinha: “Vovó, que pernas
grandes você tem!” e o lobo novamente responde. Esses dois diálogos que não
estão na versão dos Irmãos Grimm. Ainda pergunta sobre os olhos, orelhas e
dentes. O lobo responde a última pergunta ”São para te comer melhor” e atira-se
sobre Capinha Vermelha e devora-a.

            Perrault
gostava de colocar MORAL em todos os seus contos. Em Capinha Vermelha há um
adendo, um pequeno poema se segue após a avó e a neta terem sido devoradas pelo
lobo e que tem uma MORAL: meninas bonitinhas não devem conversar com quem não
conhecem, se o fazem não é de se admirar que sejam “devoradas”. Quanto ao
comportamento dos “lobos”, os mais gentis são os mais perigosos, principalmente
os que acompanham as menininhas até ás suas casas. Na  versão de Perrault, Chapeuzinho não foi
advertida para não perder o seu tempo conversando com estranhos encontrados no
seu caminho. A avó não merecia um ter uma morte tão cruel. O autor especifica
todas as ações do conto, não deixando que a imaginação do leitor dê um
significado pessoal ao conto. Contrariando o que o autor desejava, o que
acontece é que o leitor chega a duas conclusões: ou Chapeuzinho é ingênua ou
deseja ser seduzida e se finge de boba.


3. A abordagem
psicanalítica

       

            Para
BETELHEIM, o valor dos contos infantis para a criança é destruído, quando o
autor “mastiga” os detalhes os traduzindo para a mente infantil lhe poupando o
trabalho de fazer uso da sua imaginação. Há especialistas que pedem, inclusive,
que as estórias redigidas para o publico infantil não sejam ilustradas.Os bons
contos de fadas têm significados em muitos níveis; só a criança pode saber
quais os significados importantes para elas. A criança é quem irá descobrir por
si mesma os significados ocultos nos textos.

            Na
variação dos Irmãos Grimm, há duas versões para esse conto e uma solução:
depois de uma experiência ruim, Chapeuzinho se convence de que ainda é imatura
e deve estabelecer aliança com sua avó. A avó, com a sua sabedoria que tem um
plano para castigar o lobo. Juntas, avó e neta, dão um castigo exemplar ao lobo.
Os Irmãos Grimm especificam: o lobo pensa, “tenho que acabar primeiro com a
avó (mãe) a figura protetora da menina. Depois eu a terei só para mim”
. As
crianças sabem de algo que não podem explicar: gostam de Chapeuzinho Vermelho e
o lobo na cama.

            O
principio do prazer contrapondo ao da realidade mostra como Chapeuzinho lida
com a ambivalência infantil. Ela só para de colher flores “quando já juntara
tantas que não podia mais carregá-las” e se lembra da avó e fazer-lhe uma
visita, isto é só quando colher flores e o prazer que isto lhe traz termina, o
Id em busca de prazer recua e Chapeuzinho passa a tomar conhecimento das suas
obrigações.
A
mãe de Chapeuzinho manda-a ir levar doces pra vovó que está doente, uma missão
de responsabilidade. Mas a mãe é cuidadosa, avisa à filha dos perigos da
floresta. Chapeuzinho ouve os conselhos da mãe, mas não obedece. A
desobediência de Chapeuzinho também é importante. Esse desejo de superar os
limites, de ir além do conhecido faz parte da busca da identidade humana.

       
    Ao ver o Lobo na cama de sua
avó, Chapeuzinho não se assusta imediatamente. Ela faz uma investigação. Quer
saber pra que servem os olhos, o nariz, a boca. Chapeuzinho é curiosa.
Chapeuzinho deseja descobrir coisas;
quando ela encontra a vovó que lhe parece “muito estranha” a menina se confunde
com os disfarces usados pelo lobo, mas ela não se intimida e quer entender o
que está se passando e passa a interrogar a “vovó”: ela está enumerando os
quatro sentidos, audição, visão, tato e paladar que a criança usa para
compreender o mundo.

            Ela quer
conhecer o mundo apesar dos riscos. Quando o Lobo avança para comê-la,
Chapeuzinho se dá conta que o mundo pode ser perigoso. Há limites que devem ser
respeitados, como as leis, respeitar aquilo que nos ensinam que podemos ou não
fazer.

            Segundo BETELHEIM, Chapeuzinho
Vermelho
de forma
simbólica projeta a menina nos perigos do conflito edípico durante a puberdade,
e depois a salva deles, para que ela possa amadurecer livre de conflitos.
É por isso que Chapeuzinho Vermelho veste uma capa vermelha. Algo
nela exige, sem que ela queira, que ela faça o percurso pelo meio da floresta
(nosso lar de origem, onde se escondem nossos instintos), até chegar à casa da
vovó (a cultura tradicional que devemos respeitar). Chapeuzinho está em fase de
transição. A jovem é algo muito atraente para o Lobo assim como um homem
apaixonado e desejoso por uma mulher é um lobo. E ela não pode evitar a
conversa com o Lobo no meio do caminho. O Lobo a atrai também.

            Chapeuzinho Vermelho aborda alguns
problemas cruciais que a menina em idade escolar tem de solucionar quando as
ligações edípicas persistem no inconsciente. O tema central da estória é a
ameaça de Chapeuzinho ser devorada, pois está exposta perigosamente a possíveis
seduções.

            A menina em fase edípica sai pela floresta a
pedido da mãe com seu capuz vermelho (símbolo das emoções violentas e do sexo),
mas ainda é inexperiente. “O chapeuzinho é o símbolo do prepúcio masculino
uma transferência prematura da atração sexual
”. (Grodeck, citado por
BETELHEIM). A menina é exposta ao lobo, aos instintos animais e cede à sua
sedução.
O
caçador aparece para salva-lá.  O Lobo
mau versus o homem bom – o caçador, que mata o Lobo e abre sua barriga
tirando lá de dentro a avó. Todos ficam contentes e se abraçam felizes.
É com a entrada do
caçador, da energia solar masculina que chega dando limites e imprimindo ordem,
que Chapeuzinho é salva e pode voltar para a casa dizendo que nunca mais vai
desobedecer à mãe; a mãe que ao mesmo tempo lhe pede obediência, a expõe aos
perigos e aventuras da floresta.

           
O caçador, salva Chapeuzinho e a avó,
mas em nenhum momento se menciona outra figura masculina além do lobo e do
caçador. A figura do caçador sugere que o pai esteve mesmo como “sujeito
oculto” como lobo, expondo-a aos perigos de sentimentos edípicos reprimidos, e
como caçadores na sua função protetora. As figuras opostas do lobo e do caçador
podem representar o conflito entre o id e os aspectos do superego da
personalidade.

            O Lobo Mau é
um personagem assustador
,
o lobo é mau, prepara-se para comer a menina ingênua que, muito
novinha, o confunde com a vovó, A sexualidade do lobo aparece não só
como animalesca e destrutiva, mas também “infantilizada”, pretende comer a
menina. Usa a boca para seduzir e comer.
Ele também está presente em muitas
outras histórias, sempre fazendo maldades. As crianças sentem muito medo do
Lobo Mau.

Freud, nos seus estudos sobre fobias
infantis, mostra que o animal temido simboliza o pai. O Lobo Mau de Chapeuzinho
Vermelho mostra a menina que sair do caminho pode colocar em risco sua vida.
Remete à questão edípica onde surge o desejo da filha de ser seduzida pelo pai.
Para isso é preciso que a mãe-avó seja eliminada, deixando o caminho livre para
que seus desejos inconscientes tornem-se concretos, redime-se da culpa, sendo
também castigada e comida pelo lobo. Quando finalmente é salva pelo Caçador – o
pai protetor – sai da escuridão do ventre do lobo para o amadurecimento. É esse
o pai que deve ser procurado quando sua sexualidade estiver instalada.  O caçador que, com um fuzil mata (o lobo mau)
ao mesmo tempo em que salva (Chapeuzinho).

            Quando Freud
postulou a existência de uma sexualidade infantil em “Três Ensaios sobre a
Sexualidade” (1905) foi um escândalo, pois até então a criança era vista
como um ser puro e ingênuo, incapaz de ter tal sexualidade.
À medida que a sexualidade das crianças vai avançando, também se inicia uma
atividade, impulsionada pelos problemas sexuais, a pulsão de saber ou de
investigar. Segundo Freud, a criança busca subsídios também nos contos de fadas
para essas suas teorias sexuais. Os contos de fadas despertam emoções e aguça a
capacidade da criança de pensar.

       
    Cada vez a criança vai
observando mais e faz falsas teorias que lhe são impostas por sua própria
sexualidade. A explicação para o nascimento do bebê pode ser como na história
do quando o lobo engole a menina e sua vovó, cresce sua barriga, é cortada e de
lá saem duas pessoas com vida. Essa é uma explicação encontrada pela criança,
de que o bebê sai pelo umbigo, que se abre, ou através de um corte que o doutor
faz na barriga, como o que acontece na história.
           
Segundo a psicanálise, por volta dos 4
aos 7 anos de idade, a criança desenvolve um profundo desejo pelo seu
progenitor do sexo oposto (o menino, pela mãe; a menina, pelo pai). Esse desejo
é na verdade uma primeira tentativa da criança para compreender e vivenciar, a
nível simbólico, a sexualidade adulta, e é motivado pela erotização, nessa
faixa-etária, dos órgãos genitais.
Na tentativa de conquistar o progenitor que é objeto de seu desejo, a criança passa

a
identificar-se e a imitar o progenitor do seu sexo. Porém, logo a criança
sublima seus interesses sexuais pelos pais. A criança abandona o desejo de
casar-se com o pai ou a mãe porque percebe que, por mais que ela imite o
progenitor do mesmo sexo, sempre haverá relacionamentos que seu parente desejado     manterá apenas com outros adultos.

            Esses
desejos adormecem até o início da adolescência, quando retornam voltados para a
busca de parceiros sexuais fora da família. Em geral os heróis saem de casa por
ordem de seus pais: Chapeuzinho Vermelho é enviada por sua mãe para levar doces
à avó. A sublimação do complexo de Édipo também acontece devido à intervenção
da sociedade, de maneira geral, e dos pais, de maneira mais direta. Quando o
herói parte para suas aventuras, enfrentando dificuldades de toda a sorte, ele
torna-se capaz de assegurar sua própria existência, de superar as dificuldades.

 

4.
Chapeuzinho Vermelho na concepção de autores brasileiros.

4.1. Chapeuzinho Vermelho 

Versão: João de Barro (Braguinha)

 

Nas décadas de 40 a 60, foram lançadas coleções de
disco com adaptações e versões de história infantis, por João de Barro, pseudônimo
de Braguinha.


Pela estrada fora, eu vou bem sozinha
Levar esses doces para a vovozinha

A versão musical é
conhecida ainda hoje pelas crianças. Nesta versão, Chapeuzinho é uma menininha doce
e meiga (percebe-se pelo uso de diminutivos)



Mas à tardinha, ao
sol poente
          Junto à mamãezinha
dormirei contente

E o lobo mau pega as criancinhas para fazer mingau, mas no final
Chapeuzinho está livre  e já pode caçar
borboletas e brincar na floresta. A história singela, na versão de João de
Barro parece inocente e infantil, sem a conotação sexual, a que se referem
BETTELHEIM e
VON
FRANZ
.

4.2.
Chapeuzinho Vermelho e o Lobo-Guará

            No
Brasil não há lobos como o da Chapeuzinho, que são animais característicos de
algumas regiões da Europa, EUA e Canadá. MACHADO, escritor e ambientalista,
recria a história de uma maneira divertida e educativa, ao usar o lobo-guará
como personagem da história.

            Em
Chapeuzinho Vermelho e o Lobo-Guará, o cenário é bem brasileiro, o
cerrado, com suas árvores tortas e retorcidas, ipês floridos, árvores
frutíferas comuns da região, como a jabuticabeira, o pequizeiro, araticum entre
outras; animais como o veado, a coruja-buraqueira, pica-pau, mico-estrela,
veados, e lobos, mas um outro tipo de lobo, o lobo-guará, animal típico do
cerrado, uma espécie em extinção. Com hábitos noturnos e crepusculares, come
pequenos mamíferos, aves, répteis, insetos e adora frutas.  Às vezes invade galinheiros, mas não ataca o
homem. Na história, como na versão dos irmãos Grimm, a mãe aconselha a menina
que tome cuidado o lobo mau. Mas já é outra história, pois o lobo dessa história
não é mau, tem medo do escuro, e gosta mesmo é de atacar frutas. É o próprio
Lobo-Guará que diz à menina que “o lobo mau voltou para a Europa. Ele estava
aqui no Brasil só de visita. (…) A floresta agora ficou sem perigo”.

            Se
o lobo dessa história é bom, que perigos Chapeuzinho correria? Entra na
história o Anhangá, personagem do folclore brasileiro, um espírito mau,
disfarçado de veado, fazendo maldades e assustando todo mundo, pois detestava
gente. Queria que Lobo-Guará o ajudasse nas suas maldades, já que o Lobo Mau
foi embora. Anhangá relembra a história de Chapeuzinho Vermelho, ao perguntar
se o lobo já notara “que o pai dela não aparece nas histórias”. Para o
Lobo, o pai dela era contrabandista de animais e vivia escondido da polícia. Apesar
das aulas que tivera para se tornar mau, o Lobo em vez de atacar Chapeuzinho,
começa a comer melancia, depois outras frutas. 
Faz amizade com a vovó e para desespero de Anhangá, rasga sua caderneta
de fazer maldades. O caçador, que na versão universal era o herói, aqui é um
vilão. Os papéis estão invertidos: o lobo bom versus o homem mau.
Chapeuzinho e a vovó ajudam o lobo a se livrar do caçador, já que a caça é
proibida por lei por ser um animal silvestre, ameaçado de extinção.

O autor se apropria de uma história
universalmente conhecida, com isso já garante o interesse dos leitores pela obra,
para contar uma outra história, mais condizente com a nossa cultura, já que o
lobo brasileiro não é uma fera, e ainda chama a atenção para a sua preservação.

4. 3 O gatinho Nicolau, Chapeuzinho Vermelho e o
Lobo

            Através
das falas do gatinho Nicolau que a história de Chapeuzinho Vermelho é
questionada. Como crianças, que tendem a perguntar sobre tudo. Ao ouvir a
história de Chapeuzinho, contada pela mãe gata. Começa pelo nome dado à menina,
Chapeuzinho Vermelho, embora a ilustração represente uma menina com toquinha
vermelha com uma capinha pendurada.

            Outra
questão interessante levantada por Nicolau é o fato de a mãe ter enviado a
menina sozinha para a floresta, um lugar perigoso, com lobos ferozes. Realmente
é de se estranhar que uma mãe zelosa deixasse sua filhinha se arriscar
tanto.       Nicolau acha que o lobo é
bobo, em vez de comer logo a menina, e ficar usando artimanhas para tentar pegar
a menina.

            À
medida que a história de Chapeuzinho é contada, o gatinho vai interferindo. Com
bom humor, OLIVEIRA usa o Gatinho Nicolau para fazer perguntas que qualquer
criança faria, mesmo sabendo que se trata de uma história, que não é real. Ao
ouvir a história pela primeira vez, qual criança não pergunta como é que a
menina e a vovó cabem na barriga do lobo? E como é que o caçador corta a
barriga do lobo e elas saem vivas, sem nenhum arranhão? Onde está o pai da
menina que não aparece para salvá-la?

5.
Conclusão:

            Ouvir
essas histórias assegura à criança que ela também será capaz de superar as
dificuldades, os sentimentos profundos e contraditórios, despertados por seu
delicado e complexo conflito emocional, e virá a encontrar a felicidade.
Por isso, cabe a ela mesma vivenciar o conto e tirar dele a mensagem que lhe é
útil, e não ao adulto.

            É
a mensagem embutida no simbolismo do conto que a criança busca dominar quando
nos pede que recontemos uma mesma história infinitas vezes, sabendo que, ao
ouvi-las, está de certo modo ouvindo a sua própria história, e dessa forma
tornando-se mais capaz de superar seus próprios conflitos.
Este é o poder mágico dos contos de fadas – o poder de fazer-nos conhecer e
compreender melhor a nós mesmos – e esta a razão de sua permanência entre nós
através dos séculos, bem como a razão do fascínio que o simples ato de
sentar-se junto a um adulto para ouvir uma história ainda consegue despertar,
mesmo frente a um mundo cheio de brinquedos e maravilhas tecnológicas. 

            A
mensagem de sucesso e segurança que os contos carregam, não apenas os tornam
sempre presentes e fascinantes, mas, sobretudo únicos e insubstituíveis em sua
importância para o imaginário infantil. 
As histórias infantis ajudam a
elaborar medos, angústias, a dar conta das teorias infantis sobre os enigmas da
vida.

            Cada
história vai priorizar uma temática e vai tocar cada criança de um jeito muito
único e conforme o momento evolutivo psíquico em que ela se encontra. Elas
pedem que as contemos de novo e de novo.

            E apesar de
serem exaustivamente contadas, são fascinantes para as crianças, mesmo sabendo
antecipadamente o final. Ao fazer uma nova versão da história, os autores podem
abordar outros temas, como no caso de Chapeuzinho Vermelho e o Lobo Guará,
que além de ser divertida, aborda temas relevantes, como animais em extinção e
as riquezas regionais.

       

6.
Bibliografia

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise
dos contos de fada
. 2 ed., Rio de Janeiro:

           Paz e Terra, 1979.

GRIMM, Jacob E. Wilhelim. Contos de
Fadas. Trad. David Jardim Junior. Belo

           Horizonte: Itatiaia, 2000.

JUNG, Carl G. Obras Completas, Vol. IV – Freud e a psicanálise. Rio de
Janeiro:

           Vozes, 1971.

MACHADO, Ângelo. Chapeuzinho
Vermelho e o  Lobo  Guará
. São Paulo:

          Melhoramentos, 2002.

OLIVEIRA, Aurélio de. O gatinho
Nicolau, Chapeuzinho Vermelho e o Lobo
.

           São Paulo: Moderna, 1995.

PERRAULT,
Charles. Contos de Fadas. Trad. Monteiro Lobato, 1 ª ed.São Paulo:

            São Paulo: C.E.N, 2002.

VON
FRANZ
, Marie Louise. A interpretação dos contos de fadas. São Paulo:

           Paulinas, 1990.
 

  



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